segunda-feira, 10 de setembro de 2012

O primeiro paciente que perdi...

As pessoas gostam de falar... principalmente sobre o que não sabemos e não imaginamos. Falamos para exaltar a nos mesmos e nos furtarmos da perspectiva aterradora de nossa própria pequenez diante das coisas.  É fácil falar da morte, e diria até que é fácil ver um homem morrer, quando simplesmente ignoramos a existência daquele homem como indivíduo e como uma história. O que chamamos de história é apenas uma sucessão de fatos interpretadas segundo uma ótica ora objetiva ora subjetiva. Ninguém conhece de fato a história de homem exceto ele próprio e os que estiveram perto o suficiente para participarem daquele homem; e no final todas as histórias se perdem.

Isso não aconteceu ontem, já faz alguns dias. Não escrevi nada antes porque confesso que a experiência me deixou um tanto abalado. Não pela morte em si, mas pela relação que eu estabelecera com esse paciente. Idoso, hipertenso, portador de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica grau IV, dependente de oxigênio. Veio internado pois uma internado pois sofrera uma infecção que agudizara e descompensara a doença. Quando assumi aquele paciente, seu quadro era gravíssimo e o prognóstico sombrio. A família informada das condições do paciente, optara por não realizar nenhuma manobra mais drástica caso o pior acontecesse. Ele ficou conosco internado por 28 dias dos quais boa parte ficara sob minha tutela; até que teve alta.

Um dia depois, nova infecção e nova agudização.  Ele retorna a enfermaria, lúcido e pouco sintomático. Achei que mais alguns dias e ele voltaria para casa e para a família que jamais o abandonava.  Lembro de alguns dias antes passar e brincar com ele. "O senhor não me engana, vem aqui por causa das meninas"; o velho olhou diretamente nos meus olhos, e me respondeu com um sorriso e uma bofetada moral: "Eu também venho aqui por causa dos amigos". Até aquele momento, embora eu fizesse de tudo para que todos os meus pacientes, ficassem a vontade e vivenciassem de forma descontraída nossa relação eu jamais considerei a possibilidade de que me vissem como amigo. Aquele velho de 84 anos, me mostrou isso.  Naquela noite eu havia sonhado que meu pai havia morrido. Meu pai que é portador da mesma doença. Acordei pensando no meu pai e nele, pensando em como poderia convencer meu pai de que com o devido tratamento ele poderia viver muito mais. Quando cheguei para visita da manhã, ele começava a descompensar seus sinais vitais. Ele faleceu, enquanto segurava em minhas mãos. Enquanto conversava com a filha foi difícil segurar as lágrimas... me afastei e fui sozinho chorar num canto vazio do hospital. Não era um paciente, era um amigo quem havia falecido...

Ele faleceu com 84 anos, e Deus sabe o que esse homem lutou na vida. Pai de seis filhos, fora evidentemente um pai amoroso e bem sucedido em passar valores aos filhos e netos, pois não havia um só dia em que estes o abandovam, e em nenhum momento, nenhum deles demonstrou o mínimo incomodo em estar ali. Me senti desolado e solitário. Não só por ele e pela família, não pela amizade que desenvolveramos, mas pela fragilidade de nossa condição, pela insignificância de quase 100 anos de luta e sobrevivência. Pela decadência inevitável de todas as coisas, pela minha própria insignificância que se mostrava agora tão esmagadora.


Tornar-se adulto.

Vc deixa de ser criança quando percebe o valor e a necessidade de sair da casa dos seus pais para construir sua identidade e sua vida, e percebe que se tornou realmente adulto quando sente um desejo indizivel de voltar para perto de seus pais e cuidar das pessoas e do lugar no meio do qual cresceu. Você deixa de ser criança quando passa a desejar experimentar varias parceiras, e percebe que se tornou adulto quando verifica que uma parceira de verdade é melhor que varias de mentirinha. Você deixa de ser criança quando começa a se importar em como o mundo te enxergar, e se torna adulto de fato quando passa a se importar com o que você realmente é e com a forma com a qual vc enxerga o mundo. Você deixa de ser criança quando percebe a necessidade de adentrar a vida de adulto, e se torna adulto de fato, quando soma sua vida de adulto a com experiencia espontânea de ser uma criança responsável. Embora eu seja dono do meu mundo, por maior que ele seja, ele é só uma parte do resto do Mundo, composto pelos mundos de todo mundo. Somos todos crianças enquanto queremos ficarem primeiro, nos tornamos adultos quando encontramos nosso lugar.


Não gosto de ser tão taxativo mas essas coisas simplesmente me surgem a mente de forma postulatória.